Gorjetas no Simples Nacional
A reforma trabalhista de 2017 pode ter trazido consigo uma série de polêmicas, tanto da ordem jurídica, quanto da ordem social, mas, tanto aqueles que acreditam que a reforma foi uma modernização quanto os que alegam que foi uma retirada de direitos dos trabalhadores concordam em um ponto - as gorjetas devem ficar com os atendentes e não com o estabelecimento.
É verdade que esse sempre foi o entendimento jurídico da questão, mas era importante que a lei trabalhista deixasse esse ponto bastante claro, como foi feito naquela reforma, dando ao art. 457 da CLT a seguinte roupagem:
Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados.
A questão que nos importa, contudo, são os reflexos tributários dessa mudança. A partir do momento em que a lei afirma textualmente que o estabelecimento comercial está apenas temporariamente retendo o valor das gorjetas para posterior repasse ao funcionário, esses valores não podem compor a base de cálculo da tributação dessa empresa, pois elas não fazem parte de seu faturamento.
Desde que a tese começou a ser apresentada nos Tribunais, a Fazenda Pública naturalmente se opôs e lutou por alguns anos contra o Contribuinte até desistir em definitivo em 2024, tamanha era a frequência de suas derrotas. A título de curiosidade, diferente do que se possa imaginar, os Procuradores Federais possuem um sistema interno para decidir quais causas ainda vale a pena seguir defendendo e recorrendo, aquele conceito de que o Estado irá recorrer até onde for possível sempre apenas para frustrar o Contribuinte é cada vez mais incomum, especialmente na esfera federal.
Essa desistência, contudo, se restringe às empresas que apuram seus impostos pelo Lucro Presumido. Empresas que apuram seus impostos pelo Lucro Real sempre puderam deduzir gorjetas como despesas e as empresas do Simples Nacional, que totalizam 98% das empresas no país e, imagino, um percentual ainda maior dos bares e restaurantes, contudo, não tem a mesma facilidade.
Por acreditar que o Simples Nacional é um benefício fiscal fechado, que não comporta qualquer outro tipo de benesse, a Fazenda Federal ainda insiste em autuar empresas que adotam essa sistemática quando elas desejam remover as gorjetas de sua base de cálculo.
Mesmo sabendo que esse argumento em nada tem a ver com o que o Contribuinte alega, pois remover a gorjeta da base de cálculo não é um desconto ou benefício, apenas o reconhecimento de que aquele dinheiro não é da empresa, a Fazenda tem o hábito de ser muito mais combativa com questões relacionadas ao Simples por estarem cientes de seu impacto na arrecadação.
Em última análise, ao reconhecer o direito apenas para as empresas do Lucro Presumido, a Fazenda Nacional pouco reduziu sua carga de processos judiciais, pois a esmagadora maioria dos estabelecimentos que tem o direito adotam o Simples Nacional.
Na verdade, a Fazenda usa o judiciário como um filtro. Sabendo que o empresário sujeito ao Simples Nacional, comumente possui um nível de suporte jurídico bastante limitado, ele conta com a falta de informação e organização contábil dos contribuintes para ampliar a base de cálculo dos seus impostos. Mesmo sabendo que irão perder na justiça, forçar o Contribuinte a litigar já evita boa parte da perda de arrecadação que o Fisco deseja evitar, ainda mais porque o contribuinte terá direito a reaver 5 anos para trás desses impostos pagos a mais.
Donos de estabelecimentos que cobram gorjetas e efetivamente as repassam para seus funcionários podem e devem buscar seus direitos na justiça. Caso você acredite se encaixar nesse caso, podemos agendar uma consultoria para te ajudar.